Brasil e Rússia trocam experiência dentro da agricultura regenerativa
Da Redação FEBRAPDP

O Congresso Internacional Clima, Saúde do Solo e Tecnologias Agrícolas, realizado em Samara (Rússia), revelou o Brasil como referência mundial em agricultura conservacionista. Durante três dias de intensos debates, o pesquisador Pedro Luiz de Freitas (Embrapa Solos) e a bióloga e professora Marie Bartz (UFSC/FEBRAPDP) apresentaram os avanços brasileiros no manejo sustentável de solos tropicais, abrindo caminho para importantes cooperações científicas.
Em sua fala, Pedro Freitas foi enfático ao destacar a liderança do Brasil: "Nossas cinco décadas de pesquisa com o Sistema Plantio Direto (SPD) nos colocam na vanguarda da agricultura conservacionista. Mostramos como os princípios desenvolvidos para nossos solos tropicais - como terraceamento, plantio em nível e rotação de culturas - podem ser adaptados até mesmo às condições extremas da Rússia, onde enfrentam invernos rigorosos e curtos períodos de cultivo".
O pesquisador detalhou como essas técnicas têm duplo impacto: "Não apenas combatemos a erosão em nossos solos, como aumentamos a eficiência no uso de insumos. Um solo saudável responde melhor a fertilizantes e defensivos, viabilizando sistemas integrados como lavoura-pecuária-floresta (ILPF) para propriedades de todos os tamanhos".
Para Marie Bartz, especialista na biodiversidade do solo, "o Brasil tem uma história única de colaboração entre agricultores e pesquisadores. Essa sinergia foi crucial para adaptarmos o SPD às nossas condições tropicais. Agora podemos exportar não só técnicas, mas todo um modelo de cooperação".
Delegação brasileira (Pedro Freitas, Marie Bartz e Paula Packer) com a organizadora do Evento - Liudmila Orlova (de vestido preto), presidente do Movimento Nacional de Agricultura Conservacionista e PhD em Economia
A surpreendente abertura russa
Freitas revelou impressões marcantes sobre o potencial de colaboração: "Ficamos positivamente surpresos com a qualidade da infraestrutura de pesquisa russa. Eles possuem laboratórios bem equipados e pesquisadores altamente qualificados. Há um terreno fértil para parcerias, especialmente no monitoramento da saúde do solo e desenvolvimento de indicadores biológicos".
Bartz acrescentou: "O interesse foi mútuo. Durante as discussões, ficou claro que nossos trabalhos com minhocas e mesofauna do solo despertaram grande atenção. Esses organismos são bioindicadores essenciais que eles querem incorporar em suas pesquisas".
Os desafios da adoção global
Sobre as barreiras à expansão da agricultura conservacionista, Freitas foi categórico: "O maior equívoco é reduzir o SPD ao simples plantio direto na palha. Nos trópicos, já evoluímos para sistemas complexos com culturas de cobertura e rotação plurianual. Para os russos, o desafio é adaptar esses princípios a seu clima peculiar, com apenas 400-800mm de chuva anual, metade na forma de neve".
O pesquisador descreveu soluções inovadoras vistas em campo: "Eles desenvolvem sistemas com trigo de inverno plantado no outono, seguido por mix de culturas de cobertura na primavera. A palhada protege o solo durante o longo inverno e o descongelamento. É fascinante ver nossa ciência tropical inspirando adaptações em climas tão distintos".
Bartz alertou sobre a necessidade de esclarecimentos conceituais: "Ainda há muita confusão entre plantio direto e Sistema Plantio Direto, mesmo na academia. Sem essa distinção clara, os sistemas produtivos podem entrar em colapso".
Políticas públicas e o exemplo ABC+
Ainda de acordo com Pedro Freitas, o papel das políticas governamentais é fundamental. "O Plano ABC+ brasileiro foi citado como modelo durante o evento. Na Rússia, o MNAC (Movimento Nacional para Agricultura Conservacionista), liderado pela incansável Liudmila Orlova, tem feito um trabalho notável há dez anos, com forte apoio governamental".
Sobre o mercado de carbono, o pesquisador foi pragmático: "Vimos várias ferramentas promissoras, como o RenovaCalc brasileiro para cálculo de pegada de carbono e metodologias russas para projetos climáticos. O crucial é que essas soluções são aplicáveis a agricultores de todos os portes, sem distinção".
Próximos passos e colaborações
As perspectivas pós-evento são animadoras: "Já estamos organizando uma série de reuniões temáticas virtuais", adiantou Freitas. "Vamos aprofundar discussões sobre avaliação da saúde do solo, biodiversidade e desenvolvimento de metodologias comuns. Também queremos conectar agricultores brasileiros e russos para troca de experiências práticas".
Bartz concluiu com otimismo: "Esta foi apenas a primeira etapa de um diálogo que deve render frutos importantes para a agricultura sustentável global. O Brasil tem muito a contribuir e também a aprender com essa troca".