SPD na Bahia: novas opções de culturas economicamente viáveis podem fortalecer atividade mais sustentável

Da Redação FEBRAPDP

SPD na Bahia: novas opções de culturas economicamente viáveis podem fortalecer atividade mais sustentável
Foto: Acervo AIBA

Vice-presidente da Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto, FEBRAPDP na Bahia e diretor de Sustentabilidade da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia – AIBA, Luis Pradella iniciou em 2023 mais um ciclo à frente do cargo. Muito atuante como liderança atenta aos princípios da agricultura sustentável, ele tem direcionado suas ações para a divulgação das boas práticas e do SPD no sentido de promover técnicas menos impactantes à natureza e que sejam estratégicas para a preservação do solo e todos os recursos necessários à produção de alimentos, fonte de renda e que cumpram o papel social, como ele mesmo ressalta. “Sem o tripé econômico-ambiental-social nada funciona. Nesse sentido, estaremos à frente desta missão nos próximos anos”.

P: Quais as estimativas de áreas sob PD de forma parcial e de áreas sob o SPD de forma integral?

R: Os números na Bahia não fogem aos números percebidos no Brasil. Acredito que, no máximo, 10% das áreas sob plantio direto realizem efetivamente o sistema completo, respeitando os três pontos básicos: cobertura do solo o ano todo, semeadura direta sem revolvimento do solo e rotação de culturas. A grande maioria, ou seja, os outros 90% realizam apenas a semeadura direta ou o cultivo mínimo, onde os produtores a cada 2, 3 ou 4 anos acabam também por fazer uma interferência mecânica no solo com a utilização de equipamentos com hastes, que revolvem um pouco o solo. Normalmente, isso acontece porque o sistema completo não é adotado. Uma vez que se tenha a rotação de culturas com plantas diferentes isso vai melhorando a biota do solo. Nesse sentido, nosso trabalho passa pela conscientização dos produtores regionais, trazendo eventos para o estado com o objetivo de, cada vez mais, dar visibilidade a essas tecnologias que já possuem 50 anos de existência e eficiência comprovada no Brasil. Ainda há muita área para a expansão do SPD de qualidade.

P: Qual a justificativa para a adoção apenas parcial? Há explicações econômicas, agronômicas/técnicas, culturais ou outras ou todas juntas?

R: Sobre essa não evolução para estes níveis de qualidade em SPD e preferência pela adoção apenas parcial do sistema, eu acredito que muito ainda passa também pela coragem do produtor em enfrentar certos desafios e poder melhorar a condição da rotação de culturas ou buscar plantas, mixes ou consórcio de culturas com o objetivo de fazer com que esse sistema realmente se mantenha vivo. Do contrário, ele não vai se sustentar; uma vez que o modelo de produção se torne insustentável, a intervenção mecânica acaba sendo a dor necessária para poder dar sequência ao processo, resolver a compactação e continuar na atividade. Com o sistema incompleto, não há incremento de matéria orgânica no solo, como raízes, então, a biota presente no solo fica comprometida, requerendo que, impreterivelmente, a cada 3 ou 4 anos, o produtor acabe voltando a fazer interferência dinâmica no solo por necessidade real mesmo. Acaba que a dor vai ser sempre a mesma e o remédio vai ser sempre o mesmo também.

P: Na sua opinião, qual o principal desafio a ser vencido para reversão deste quadro?

R: Acredito muito na questão da doutrina mesmo, na conscientização através dos eventos e dos exemplos. Temos trazido para os eventos que promovemos aqueles produtores que já vêm desenvolvendo sistemas como o SPD ou de Integração Lavoura-Pecuária (ILP), consórcios e mixes de culturas, a utilização de micronutrientes com microrganismos eficientes. É importante que esses exemplos estejam em eventos, como programas de rádio, dias de campo; enfim, sempre que possível, mostrar alguém que já está fazendo e apresentando para o demais essas vantagens de se realizar o SPD corretamente a fim de ir disseminando o conceito. Temos notado evolução, sim, atrávés do aumento diário de alguns indicadores. Se a gente olhar para trás, para um período não muito longo entre 10 e 15 anos para trás, vamos ver, por exemplo, uma área de safrinha de milho nas regiões onde hoje é enorme, que antes havia muito menos milho. E esse milho hoje já vem em consórcio com braquiária e em alguns casos com ILP. No caso específico do oeste da Bahia, se via muitas lavouras com predominância de solos revolvidos após a colheita. Hoje, com certeza, não predomina mais. O que predomina é o verde nessa época, o que já mostra uma sucessão de culturas. A cultura da soja vem sendo sucedida por milheto, por braquiárias, por sorgo e à medida que que vai caminhando, vai se encontrando as alternativas, lembrando sempre da importância de se ter a questão econômica junto. Então, quando se tem a opção de lavouras com perspectivas econômicas para fazer rotação de cultura, fica muito mais fácil de acontecer. Acho que o grande desafio para virada realmente é a comunicação, que precisa ser melhorada para permitir que as pessoas tenham mais contato com os casos de sucesso.

P: A partir da missão da Federação de tornar o SPD ainda mais adotado, valendo-se, inclusive, da capilaridade dos estados, como especificamente no seu estado esse esforço será feito? Já existem ideias, projetos, estratégias para essa tarefa?

R: Penso que em um futuro não muito distante o SPD de qualidade venha a se tornar um quesito para algum tipo de certificação, principalmente, quando se trata da questão do sequestro de carbono. Com certeza, o SPD vai ser o grande responsável por esse incremento no sequestro de carbono, uma vez que já é uma técnica conhecida há mais de meio século. Com isso, são várias as frentes que se abrem. Surge, então, a oportunidade para fortalecer o trabalho conjunto entre associações regionais. A ideia é que consigamos intensificar o trabalho através de entidades como a AIBA, a Associação Baiana dos Produtores de Algodão – Abapa e outras para que se possa, realmente, gerar um incremento de qualidade no sistema. Demandas como a gerada pela necessidade de melhorar a capacidade de sequestrar carbono estão vindo e vão ajudar no processo de difusão do SPD, uma vez que interfere positivamente no aumento do volume de microrganismos benéficos no solo. No Cerrado, por exemplo, com a presença do El Niño nos próximos anos, a rotação de culturas terá um papel importante por atuar melhoria do solo, uma vez que haverá tendência de mais problemas com veranicos, que deverão a ser mais intensos e extensos pelo histórico. Não adianta apostar em variedades de soja, de híbridos de milho e de algodão com maiores potenciais produtivos se não tivermos um solo preparado com condição de armazenamento de água e de ar, inclusive, porque sem oxigênio não se produz. Então, essa questão do aperfeiçoamento do plantio direto utilizado vem convergindo para a necessidade de melhoria do solo a fim de que se tenha condições de produzir mais e com maior qualidade.

P: Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a sua percepção pessoal, de como vê e sente o engajamento/interesse dos produtores estaduais em se envolverem ou apenas ouvirem orientações técnicas que proponham essa mudança para a adoção mais integral do SPD.

R: Acredito que há um engajamento bastante grande de um determinado número de pessoas. Como em toda frente que se começa a trabalhar, há algumas resistências a serem vencidas. Pegando como exemplo o uso de microrganismos, dos mix de cultura ou da ILP, tudo passa por investimentos e, muitas vezes, são investimentos altíssimos, os quais o produtor não está disposto a fazer quando ele ainda tem dúvidas. Então, ele vai iniciando o processo de forma cautelosa. Hoje, no entanto, em comparação à década de 1970, temos condições muito diferenciadas nos custos dos produtos fitossanitários para fazer a condução da lavoura em SPD. Quando o plantio direto começou, o litro do glifosato custava mais US$ 20 e hoje custa entre 20% e 25% disso. Àquela época, era mais difícil convencer um produtor para fazer plantio direta por uma questão diretamente ligada ao custo. Na sequência, isso foi mudando e hoje já se vê todos os benefícios, não só nos insumos fitossanitários, mas em toda a agregação de valor que tem relação direta com o aumento de matéria orgânica, por exemplo. Outra vantagem é a possibilidade de, rapidamente, se fazer a colheita de uma cultura e fazer a implantação da sucessão da soja, milho safrinha, sorgo ou qualquer outra cultura, literalmente, na mesma hora. A colheitadeira passa tirando uma cultura e a plantadeira vem colocando a outra naquele mesmo ambiente. Então há um engajamento das pessoas para fazer isso acontecer e uma percepção de que o plantio direto vai crescendo. O que nós precisamos fazer realmente é aumentar o número de áreas com SPD integral, o que pode vir através das culturas que vão surgindo com novas possibilidades economicamente viáveis. A chegada das indústrias de etanol no Centro-Oeste, por exemplo, melhorou muito a questão do SPD para aqueles produtores que quiseram e puderam fazer milho safrinha em consórcio com braquiária e ILP. Nesse sentido, a própria agroindústria está oportunizando que o produtor, lá na base, melhore o seu solo. Aqui na Bahia o milho é uma cultura econômica, mas temos um problema logístico que é o da saída desse milho aqui da região. No momento em que se começa a industrializar ou se começa verticalizar com a cadeia do frango, do suíno, do leite ou da pecuária, vamos criando a possibilidade de ter uma produção de outras espécies, seja de milho ou de sorgo em consórcio com braquiária nas áreas, fazendo com que todo sistema de produção melhore. Desta forma, a agregação de novas culturas econômicas no sistema vem para melhorar o sistema como um todo. Uma coisa vai puxando a outra e o negócio vai ficando cada vez melhor, mais detalhado, produzindo-se mais, gerando-se mais empregos; enfim, fortalecendo-se o tripé econômico-social-ambiental.